segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Estrela

Vivia uma estrela feliz no céu imenso.
Brilhava e sentia-se leve e feliz.
Até que um dia sentiu que devia pensar.
E pensou.

Primeiro pensou em como era feliz por poder viver no céu imenso e brilhar
Depois pensou, pensou
Pensou tudo de bom o que podia pensar.

Até que um dia, cansada de tanto pensar,
Disse para si mesma: “chega, agora chega!”
E quis deitar fora o órgão que criara.

Procurou, procurou e não o encontrou.
Sacudiu-se e esperou.
E então pensou que não resultou.
E por ter pensado viu que continuava a pensar.
Sacudiu-se de novo e esse sacudir-se mais forte produziu em si um pensamento de temor.

Assustada, a estrela olhou para a Lua Cheia que era o espelho do céu.
E o espelho do céu, que sabia tudo porque tudo espelhava
Olhou-a com uns olhos que a estrela desconhecia.
E através dos olhos da Lua Cheia, a estrela viu-se como nunca se tinha visto.

E isso pesou, pesou tanto que a estrela do céu caiu desamparada.
Quando acordou, atordoada, viu-se num outro imenso céu mas que não era céu.
Viu peixes e anémonas, corais e algas
Sentiu o seu corpo diferente
E diferente o seu sentir

Quando Neptuno a recebeu no seu trono
A estrela olhou aquele Velho com enorme manto e deixou cair uma lágrima
E o Velho do Mar, com ar sereno disse-lhe:
Não te assustes, pequena estrela.
Tens agora a Nostalgia das águas,
Mas a cada uma das tuas lágrimas,
Brilha no Mar um pedaço de Céu.

sábado, 26 de junho de 2010

momentos fragmentados

...e quando os rostos em seu redor explodiam em traços exagerados e as palavras eram ecos sem sentido;
quando o mundo inteiro se transformava numa massa quase-informe, numa caricatura ameaçadora;
apertava a pequena pedra polida que levava no bolso, repleta de Memória, a que chamava solidão.


...permaneceu na gruta uma Noite e um Dia. Caminhou pela escarpa íngreme que levava a lugar nenhum; já a meio caminho de lugar nenhum, sentou-se. E sem perceber se era Dia, ou Noite, adormeceu.


...acordou perdida e procurou-se nas páginas de um livro. Presa ao momento, incapaz de seguir qualquer continuidade, buscava apenas nas palavras, uma que a salvasse.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

pudesse...

Pudesse todo o Tempo condensar-se
no Instante supremo do Encontro

E que esse Tempo contraído - denso e intenso


Único - na harmonia dos quatro elementos

Pudesse explodir num Lugar

quarta-feira, 16 de junho de 2010

...uma espécie de tabuinha Órfica


Num espaço/tempo qualquer, aquém/ além dos factos
Numa dimensão aquém/além terra, aquém/além história,
perpetuar-se-á um Encantamento.

E de alguma forma sentirás esse Abraço
que não é nem mais forte nem mais fraco que,
que não é nem mais doce nem menos doce que,
mas que é inteiramente (m)eu.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Eyvind Kang feat Mike Patton - I Am The Dead

a erosão dos sonhos

Sinto os olhos da Esfinge cravados na carne
Diz-me - pergunto-lhe a medo -,
o que provoca a erosão dos sonhos?
o crescimento?... ou a morte?...
Ela aproxima-se, abre a boca
E ouço o grito do despertador.

terça-feira, 8 de junho de 2010

tempos

O Céu estava azul, sem nuvem alguma, e parecia proteger o Mar, ao longe, na sua leve agitação.
A areia era a da manhã - virgem, sem traços ou pegadas, como um écran branco antes de qualquer filme.
Uma leve brisa imprimia um ténue movimento aos minúsculos grãos finos e brancos que se deslocavam como enxames e eram como que uma evidência de vida.
Ao lado, as rochas serenas pareciam ajudar o Céu naquele equilíbrio.

- Sentes?
- Sim, sinto.
- É bonito.
- Pois é.
- Achas que o Céu protege o Mar?
- Não.
A linha do horizonte é uma ilusão.
- Sim.
Uma visão da cegueira.
- …
- …

E o Sol foi-se escondendo por detrás da Serra. O Céu escureceu aos poucos e algumas nuvens apareceram como pinceladas feitas por gestos distraídos.

- …
- …
- Sabes há quanto tempo aqui estamos?
- Não.
Esqueci-me do relógio.
- Pensei que o tinhas trazido.
- Está com certeza algures por aí.
- …
- …
- Está a ficar frio aqui.
- Sim, está.

O Mar tornou-se mais agitado, sob o efeito da brisa que já era vento e a areia corria descontrolada fazendo ricochete nas rochas e agredindo-lhes os corpos.

- Penso que é tempo de ir embora.
- Concordo.