sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Então é Natal!



Feliz Aniversário Cigarra

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

As tuas mãos, Avó

A palavra é Milagre.
Para mim, que sinto a necessidade de (me) experimentar um pouco (n)os vários domínios criativos, a escrita é talvez, de entre eles, o mais complexo.
Escrever envolve uma alegria e uma dor imensas, lado a lado, como as duas faces do mundo - o dia e a noite.
Escrever implica-nos de uma maneira muito profunda. Há que escavar fundo para que a linguagem deixe de ser instrumento e passe a ser espelho. Difícil - porque é com essa mesma linguagem que vivemos o quotidiano no que ele tem de superfície. Difícil - porque temos que procurar destruir em nós as molduras com que revestimos certas vivências de modo a podermos suportá-las.
É a hora da verdade - de uma verdade muito particular.
E, por outro lado, para quem se habituou a estes mergulhos, para quem (se) busca Luz nesta procura, difícil é também não escrever. Há uma espécie de escuridão que se vai alastrando. Uma escuridão densa, com peso e volume – real.
Faz hoje doze anos que a minha Avó partiu. Nunca consegui escrever sobre “isso”. Sobre o grande e eterno Presente que ela é na minha vida. Sobre esse Ensinamento único que a sua Vida e Morte foram para mim. Várias vezes tentei. Esperei a distância. Mas o tempo sempre desaparece quando procuro afastar este silêncio.
Todos os anos, neste dia, cumpro uma espécie de ritual. Uma homenagem qualquer. Preciso de rituais, sempre precisei. Mas hoje, após doze anos, sinto esse dia mais presente que nunca. Talvez seja um final de ciclo qualquer. Talvez tenha a ver com Saturno, esse Senhor do Karma, deus do Tempo.

Ainda não é tempo de” manejar as palavras" 1 e de poder dizer como tenho em mim essas tardes em que, deitadas na tua cama, de mãos dadas, rezávamos a um Deus que era só teu. De como conversávamos sobre o teu passado, sobre a minha infância, sobre a vida, numa total ausência de constrangimentos. De como nos ríamos de tudo apesar das tuas dores e da minha dor.
Ainda não é tempo de te dizer, Avó, como me ensinaste também o que é envelhecer. Como são tão mais bonitas as pessoas no princípio e no fim. Como estão tão mais próximas da verdade da vida quando sabem que são vulneráveis. E como se pode crescer sabendo isso. E tu conheceste-me, Avó. Conheceste-me no meu íntimo, sem necessidade de explicações ou de palavras.
A Vida e a Morte estarão separadas por um véu, Avó. Eu sei. Mas hoje preciso dizer-te que sinto a tua ausência. A tua ausência física. Que me dói a saudade de te abraçar. Que sinto ainda as minhas mãos percorrerem o teu corpo, no fim, de uma fragilidade impossível. E que as tuas mãos minha querida Avó, foram as mãos mais bonitas que alguma vez apertaram as minhas.

Mas ainda não é tempo. Ainda não é tempo de me embrenhar em palavras. Ainda não o conseguiria suportar.
Comprei uns sacos de areia colorida. Umas pedras, umas conchas. Um recipiente bonito.
Construirei algo que virá, com certeza, do coração da Memória.

1“[M]anejar as palavras, tomar-lhes o peso, explorar-lhes o sentido, é uma maneira de fazer amor, sobretudo quando o que se escreve é inspirado por alguém, ou prometido a alguém”. (Marguerite Yourcenar, in O quê? A Eternidade)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Glosa de Natal

Marguerite Yourcenar in O Tempo esse Grande Escultor


A estação dos Natais comercializados chegou. Para quase toda a gente – fora os miseráveis, o que faz muitas excepções – é uma paragem quente e clara no Inverno cinzento. Para a maioria dos celebrantes de hoje, a grande festa cristã fica limitada a dois grandes ritos: comprar, de maneira mais ou menos compulsiva, objectos úteis ou não, e empanturrar-se a si e às pessoas da sua intimidade, numa mistura indestrinçável de sentimentos em que entram igualmente a vontade de dar prazer, a ostentação e a necessidade de se divertir. E não esqueçamos os pinheiros, símbolos antiquíssimos que são da perenidade do mundo vegetal, sempre verdes, trazidos da floresta para acabarem morrendo ao calor dos fogões, e os teleféricos despejando esquiadores na neve inviolada.
Embora não sendo nem católica (excepto de nascimento e de tradição), nem protestante (excepto por algumas leituras e influências de alguns grandes exemplos), nem mesmo cristã no sentido pleno do termo, nem por isso me sinto menos levada a celebrar esta festa tão rica de significados e o seu cortejo de festas menores, o São Nicolau e a Santa Lúcia do Norte, a Calendária e os Reis. Mas limitemo-nos ao Natal, esta festa que é de nós todos. Trata-se de um nascimento, de um nascimento como todos deveriam ser, o de uma criança esperada com amor e respeito, trazendo em si a esperança do mundo. Trata-se dos pobres: uma velha balada francesa canta Maria e José procurando timidamente em Belém uma hospedaria para as suas posses, sempre desprezados em favor de clientes mais ricos e reluzentes e por fim insultados por um patrão que “detesta a pobralhada”. É a festa dos homens de boa vontade, como dizia uma admirável fórmula que infelizmente já nem sempre se encontra nas versões modernas dos Evangelhos, desde a serva surda-muda dos cantos da Idade Média que ajudou Maria no parto até ao José aquecendo as fraldas do recém-nascido diante de um pequeno fogo, aos pastores cobertos de sebo mas julgados dignos da visita dos anjos. É a festa de uma raça tantas vezes desprezada e perseguida, porque é judeu o recém-nascido do grande mito cristão (falo de mito com respeito, e emprego a palavra no sentido dos etnólogos modernos, significando as grandes verdades que nos ultrapassam e de que precisamos para viver).
É a festa dos animais que participam no mistério sagrado desta noite, maravilhoso símbolo de que São Francisco e alguns outros santos sentiram a importância, mas que os cristãos comuns desprezam, não procurando neles inspiração. É a festa da comunidade humana, porque é, ou será dentro de dias, a dos três Reis cuja lenda quis que um fosse preto, alegoria viva de todas as raças da Terra levando ao Menino a variedade dos seus dons. É a festa da alegria, mas também da dor, pois que a criança adorada será amanhã o Homem das Dores. É enfim a festa da própria Terra, que nos ícones da Europa de Leste vemos tantas vezes prosternada à entrada da gruta onde o Menino nasceu, a mesma Terra que na sua marcha atravessa neste momento o ponto do solstício de Inverno e nos arrasta a todos para a Primavera. Por esta razão, antes que a Igreja tivesse fixado o nascimento de Cristo nesta data, ela era já, nos tempos antigos, a festa do Sol.
Parece que não é mau lembrar estas coisas que toda a gente sabe e que tantos esquecem.
1976
Mas o Natal, para além da sua complexidade simbólica e da sua adulta trivialidade comercial, é também a época da Dor da Ausência. A dor da perda de uma magia que a infância inscreveu em nós - nostalgia, a dor da ausência daqueles que faziam parte desse cenário mágico e feliz e que já não estão entre nós. A dor da ausência do seu abraço em carne e osso. Por isso, uma parte de mim pode dizer que não gosta do Natal, deste Natal que agora existe, assim, esvaziado do sentido que lhe dei.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

memória corpo mistério...

ma memoire sale - les chansons d'amour

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

um pequeno pormenor de um livro muito bonito


“O que já veio e ficou próximo, quereria tê-lo olhado demoradamente, porém esta sombra mortal que me atravessa empurrou-me, desequilibrou-me. Caí, e é não sei de onde que agora ouço erguer-se esta voz. Não quer negar, desprende-se. Diz como o sol queima e se pode morrer de sede em plena luz. Estende-me a água, a lama, o charco, a terra onde me deito.”

Silvina Rodrigues Lopes, in Sobretudo as Vozes