terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tibete





http://sunyat.free.fr/web_acappella/

duas exposições fascinantes no CCB – Museu Colecção Berardo

Robert Longo – Uma Retrospectiva

A primeira sensação é de descrença absoluta! - como é que “isto” pode ser feito a carvão?!?
A segunda é pensar: ok!, mas os painéis enormes são ampliações de fotografias dos trabalhos mais pequenos. Nada disso. Tudo “original”. Alguém explicou que foram feitos a partir de uma projecção dos pequenos, e trabalhados sobre essa projecção.
Aos domingos existem visitas guiadas pelo preço de 3 euros onde “todas as dúvidas” poderão ser esclarecidas.
De qualquer modo, grandes e pequenos, os trabalhos são absolutamente fascinantes! Mais. Saímos de lá com uma vontade imensa de correr para casa, pegar em carvão e papel e começar a tentar entrar nos processos.
Imperdível!
Até 25/04/2010


Annmarie Schwarzenbach (1908-1942)
Auto-retratos do Mundo


O que dizer? Não sei porque ela ressuscitou nos últimos tempos, com a edição da Morte na Pérsia, com o documentário na Braço de Prata, agora a exposição, a conferência no Instituto Franco-Português que uma reunião burocrática me impediu de ir, mas BEM-HAJA pela ressureição que ma deu a conhecer.
Personagem fascinante, mais uma que me apetece conhecer até aos limites do possível.
Da exposição das fotos, um pensamento sobre a fotografia: Autênticidade. Marginalidade em relação àquilo que parece dominar a fotografia em certos circuitos – o politicamente (tecnicamente) correcto e, claro, o photoshop – feito instrumento do primeiro. As fotos de Annmarie Scwarzenbach, sendo de reportagem fotogáfica, respiram ar fresco. Mas isto digo eu. Voltarei lá para assistir com mais atenção aos vídeos sobre ela.
Senão: o hino português que acompanha um vídeo sobre a mocidade portuguesa na secção das suas fotos em Lisboa e que se torna verdadeiramente insuportável. Mais uma vez, digo eu...


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

sétimo sentido ou a mancha













Para lá do betão, para lá do verniz, por formação orgânica, morfológica, as vozes estão aí. Chegam-nos num silêncio pleno. Difusas. Vozes de presenças que se inscreveram, que se vão inscrevendo. E a melodia está lá. Para ser desenterrada, desenhada, recuperada à distância; recuperada ao vazio que a protege do óbvio – o óbvio que não é evidência.

Escrevo para te alcançar. Para que se faça Noite – a noite primeva que estala o verniz. A noite que dilui todas as formas – a minha, a tua, esta “nossa” que não me chega.

E as palavras opõem resistência. Com a inércia própria de todo o chão. Resistem a entrar na Noite, a entrar no Vazio.

E as palavras são camadas, nós somos camadas de palavras. Palavras que produzem reflexos, lançados em todas as direcções - do espaço, do tempo -, reflexos que nos ofuscam.

E é preciso escavar mais fundo, retirar a crosta inútil da superfície. Das palavras que nos definem, que definem a ordem, o cosmo e, porque definem, confinam.

É preciso peso. Pisadas mais fortes. É preciso quebrar o verniz sobre o qual caminhamos sem caminhar, porque a medo, porque queremos ir mais longe quando devemos ir mais fundo. Difícil, difícil quebrar o verniz de nós próprios e do mundo. O verniz instalado nas palavras e aceder ao húmus da verdade, da nossa verdade. Perseguir as palavras que nos digam, seguir o seu rasto. Pois elas são um dos espelhos do Mistério.

E a linha pesa. Rasuro e espero que surjas, tu noite, tu e a noite, dessa rasura, dessa linha desfigurada, desse alfabeto não inventado. Mancho o papel. Espero o sinal.

O nome não nasce na inscrição. O nome que te evoca. O nome onde ecoas. Não se inscreve (pois) está inscrito em mim, algures, disseminado, omnipresente, nesse lugar mágico onde também tu existes sem o saberes. Não, não por um sentido romântico mas pela evocação do caminho


Somos nas vidas uns dos outros lições – de alegria ou dor;

somos caminhos – terra batida, betão, areia fina ou água.

Somos ruas – vias de sentido obrigatório ou proibido.

Somos (uns para os outros) repetições – variações do motivo que trazemos.

E em cada encontro tentamos resgatar todo o fracasso passado ou futuro.

Tentamos compreender e resolver. Tentamos dissolver.

Buscamos a Salvação – a possibilidade do gesto justo, correcto. De um último retoque que nos salve, nós, nossa obra – a fusão perfeita, as águas límpidas, o espelho perfeito. A integração.

Somos sempre (uns para os outros) uma nova possibilidade de Luz – pura subida ou queda, queda no mais fundo, o que vem a ser o mesmo –


Escrevo para ouvir a voz deste vazio que se fez em mim pela tua quase-presença, pela sonoridade do teu silêncio. Este vazio que me chama.

Apago as luzes. Espero um sétimo sentido – a metamorfose dos outros seis em algo outro, algo que desconheço.

(Do sexto surgiu a tua quase melodia; dos cinco, surgiu tudo o que é divinamente humano).

E talvez o caminho que evocas se cumpra precisamente nesta quase-presença que me impele a procurar-te onde não estás, a descobrir-te onde possivelmente não moras.

(Mas a ti, o que te chega de tudo isto?)

Talvez já me esteja a cumprir contigo nesta clareira em que a vontade está desperta.


domingo, 14 de fevereiro de 2010

convite à estranheza

Convido a estranheza.

Pago o preço da viagem

Percorro com ela os locais familiares.

Tomo um café com a estranheza no meu café habitual

Levo-a a casa, abro-lhe a porta e dou-lhe a dianteira.

Mostro-lhe todas as divisões e permaneço com ela por alguns momentos em cada lugar,

dedicando-me aos meus afazeres sob o seu olhar atento.

Levo a estranheza para a cama e deixo que me envolva o corpo,

que me desvende, que nos desvende, que nos recrie.

Depois de uma Noite com a estranheza é preciso que ela parta, que eu parta.

É preciso que acorde só para o novo dia.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Tashi Delek!

Losar - o Novo Ano Tibetano, 2137 - ano do Tigre de Ferro


Cântico do Losar, Techung

domingo, 7 de fevereiro de 2010

de "A Morte de Virgílio"

Os bons livros não são aqueles que (apenas) lemos mas aqueles que nos reescrevem. Esses são verdadeiramente os nossos livros. Não os escolhemos. Eles escolhem-nos. Escolhem-nos na altura certa em que sabem poder entrar em diálogo connosco, em que sentem que poderão fazer-nos dialogar com os vários espaços de nós. E os subterfúgios a que recorrem são subtis - basta que estejamos atentos, a um encontro fortuito, a uma conversa, a um sonho. Eles sabem quem são os seus leitores e quando. A minha relação com Hermann Broch começou há uns anos. Um ouvir dizer, um texto seu sobre música cuja tradução me foi facultada generosamente pela minha querida Maria Filomena Molder, uma interlocutora de sempre, a aquisição dos dois volumes de "A Morte de Virgílio" há cerca de um ano. E chegado o momento ele saltou da estante contrariando os meus projectos de leitura. Estava na hora. E realmente é esta a hora dele ressoar em mim.
Dois excertos que partilho, quem sabe, servindo de ponte subtil para um outro chamamento.

"Nada do que é terreno consegue realmente abandonar o sono e só quem nunca esquecer a noite que traz consigo consegue fechar o anel, consegue voltar da intemporalidade do começo à do fim, consegue empreender sempre de novo o percurso circular, ele próprio astro na imutabilidade do decorrer do tempo, emergindo da escuridão, desaparecendo na escuridão, nascimento e renascimento no reino nocturno e do reino nocturno, acolhido pelo dia, cuja claridade penetrou na escuridão, dia que contém a noite: sim, assim tinham sido as noites, todas as noites da sua vida, todas as noites através das quais ele tinha andado, cheio de medo da inconsciência, que ameaça sob a noite, cheio de medo da ausência de sombras que está sobre eles, cheio de medo de abandonar Pã, cheio de um medo que conhece os perigos de uma dupla intemporalidade, sim, assim tinham sido aquelas noites, ligadas ao limiar da dupla despedida, noites do sono do mundo imutavelmente constante, se bem que nas praças, nas ruas, nas tabernas, absolutamente constantes em cidades e mais cidades, desde o início, ecoando inaudível das lonjuras do tempo e mesmo por isso insistentemente percebidas, os homens bramavam, sono também isto, embora nos salões de festas e mais festas os poderosos do mundo se deixassem homenagear, rodeados de archotes e de música, sorrindo-lhes rostos e mais rostos, cortejados por corpos e mais corpos e eles próprios sorrindo, eles próprios cortejando, sono também isto, embora ardessem as fogueiras das sentinelas, não só em frente dos castelos, mas também lá fora, onde havia guerra, nas fronteiras , nos rios negros como a noite e nas orlas das florestas sussurrantes de noite e também sob os agressivos e estonteantes gritos dos bárbaros que emergem na escuridão, sono isto também, ais sono como o dos velhos desnudos que em antros fedorentos dormiam o último resto de vigília dos seus corpos, como o dos bebés que sonham sem sonhos partindo da miséria do seu nascimento para a vigília estúpida de uma vida futura, como o do grupo de escravos acorrentados nos porões dos navios, que como vermes atordoados estavam estendidos nos bancos, nas pranchas, nas pilhas das amarras, sono e mais sono, rebanho e mais rebanho, erguidos acima da indistinção do seu solo original, como cadeias de colinas, que repousam na planície, afundando-se no inalteravelmente materno, no permanente regresso que ainda não é intemporalidade e que no entanto a gera de novo em cada uma das noites terrenas; sim, assim tinham sido estas noites, assim sempre elas tinham sido, assim também era esta, talvez para sempre, noite na soleira equilibrada entre a intemporalidade e o tempo, entre a despedida e o regresso, medo e salvação, e ele, preso à soleira, noite após noite esperando na soleira, com a vista turva pelo lusco-fusco da orla da noite, nas trevas da orla do mundo, ele, conhecendo o acontecimento do sono, ele tinha sido levado até ao inalterável, e tornando-se ele próprio forma, foi arremessado para trás e lançado para cima para as esferas da poesia, para o reino intermédio do conhecer terreno, para o reino intermédio das mães, da sabedoria e da poesia, para o sonho, que está para além do sonho e atinge o renascimento, meta da nossa fuga, a poesia.

Fuga, oh fuga! Oh noite, a hora da poesia. Porque a poesia é uma espera vigilante, no crepúsculo, poesia é abismo com prenúncios de crepúsculo, é espera na soleira, é simultaneamente comunidade e solidão, é mistura e medo da mistura, sem impudícia na mistura, tão sem impudícia como o sonho dos rebanhos adormecidos, e no entanto medo de uma tal impudícia: oh, poesia é espera, ainda não partida, mas constante despedida."

(A Água: A chegada; pp. 70-71)



"O homem é um animal erecto, ele só, mas estende-se para descansar e dormir, para o amor, para a morte -, mas também nesta tripla qualidade do seu jazer ele se distingue de todos os outros seres. Erecto, destinado a crescer, a alma do homem estende-se para cima a partir dos abismos obscuros das suas raízes no húmus do ser até à redoma das estrelas cheirando a sol, carregando para cima a sua sombria origem de Poseidon e de Vulcão, trazendo para baixo a transparência da sua meta de Apolo e quanto mais se torna forma impregnada de luz devido ao seu crescimento, tanto mais se ensombra, assumindo forma, ramificando-se e desdobrando-se como a árvore, tanto mais se torna capaz de unir, na sombra da folhagem dos seus ramos a escuridão e a luz; mas quando se estende para o sono, para o amor, para a morte, quando se torna, ele próprio, paisagem estendida, então já não é sua tarefa fundir os opostos, porque dormindo, amando, morrendo, fecha os olhos e já não é nem boa nem má, é apenas um escutar único e infinito: alma infinitamente estendida, infinitamente rodeada pelo anel dos tempos, infinita no seu repouso e por isso livre de todo o crescimento; sem crescer como a paisagem que é, abrange todas as épocas, como esfera inalterável, inalterável e saturnina, estende-se da Idade do Ouro à Idade do Bronze, sim, mesmo para lá até regressar à do Ouro e devido à sua fusão com a paisagem, devido à sua prisão no que é terreno e nas paragens terrestres, em cuja superfície se separam as esferas da luz celeste e da escuridão da terra, é ao mesmo tempo fronteira entre as regiões superiores e inferiores, separando e ligando as esferas, pertencendo sempre, qual Jano, a ambas, à levitação das estrelas como à da gravidade da pedra, às do éter como às dos fogos dos infernos, qual Jano infinidade duplamente orientada, qual Jano alma infinitamente distendida, repousando no crepúsculo, de tal modo que o acima e o abaixo podiam ser, ao seu atento desejo de saber, sem se fundirem, de igual significado: sem significado, sem ser digno de qualquer escuta ou desejo de saber, lhe surge pelo contrário o acontecimento como tal, já que não as sente nem como crescimento, nem como processo de murchar ou de secar, nem sequer como ventura ou incómodo, mas como permanente regresso, como o permanente retorno para dentro do seu próprio ser, o retorno do decurso saturnino que tudo abrange, em que as paisagens da alma e da terra infinitamente se estendem, impossíveis de distinguir na sua inspiração e expiração, em seu germinar e amadurecer, nas suas colheitas férteis e nas colheitas malogradas, na sua morte e na sua ressurreição, nas estações da sua natureza ilimitada entrelaçadas no retorno eterno, rodeadas pelo anel da eterna semelhança e daí estendendo-se em descanso para o sono, para o amor, para a morte -, um escutar da paisagem da alma, o auto-escutar saturnino do morrer isento de morte, de ouro e de bronze ao mesmo tempo.

Ele escutava o processo de morrer; não podia ser de outro modo. A consciência deste facto viera-lhe sem medo, quanto muito com aquela clareza extraordinária que de um modo geral surge com o aumento da febre. E agora, deitado na escuridão, escutando a escuridão, compreendeu a sua vida, e compreendeu até que ponto ela tinha sido uma contínua escuta do desenvolvimento da morte, desdobrada a consciência, desdobrado o gérmen da morte que se encontra desde o início em toda a espécie de vida e a constitui, desdobramento duplo e triplo, saindo um do outro e desenvolvendo-se através dele, cada qual a imagem do anterior e realizando-se precisamente por isso – não era esta a força onírica de todas as imagens e sobretudo das que são capazes de determinar uma vida? Não seria também esse o caso da caverna nocturna dos mundos que, prodigiosa e aterradora pela intemporalidade, pejada de estrelas e com promessas de eternidade, surge como uma abóbada por cima de todo o ser? Porque o que outrora, em seus tempos de rapaz, tinha sido uma representação ingénua e infantil da morte, a ideia da sepultura, em que o corpo é depositado, converte-se na grande imagem da caverna e a construção da cripta na baía napolitana tinha sido então mais do que a simples repetição e concretização da velha ideia da infância; não, com essa construção tinha-se dado expressão à universal abóbada da morte, ele passara toda uma vida sonhando desperto. Por causa do todo abrangente poder dessa meta tinha ele tentado durante muito tempo, na verdade por demasiado tempo, encontrar o seu verdadeiro destino, por causa desta meta sempre conhecida mas nunca consciencializada, ele tinha interrompido todos os percursos antes do tempo, insatisfeito com todos eles, e não se tinha mantido na profissão de médico, nem da astrónomo, nem na de sábio, filósofo e professor e nem elas o tinham realizado; a exigente, incompleta imagem do conhecimento da morte permanecera continuamente diante dos seus olhos e nenhuma profissão poderia adequar-se a ela, uma vez que não há nenhuma que não esteja exclusivamente dependente do conhecimento da vida, nenhuma, à excepção dessa para a qual tinha sido impelido e que se chama Poesia, essa que é a mais estranha de todas as actividades humanas, a única consagrada ao conhecimento da morte."

(O Fogo: A Descida pp. 88-90)


sábado, 6 de fevereiro de 2010

as brincadeiras de Pã explicadas a leigos

texto retirado do site da Oficina de Psicologia

http://www.oficinadepsicologia.com/panico.htm

"Explicar o que é um ataque de pânico só faz sentido para quem não tenha passado por um... É daquelas coisas que só se conhece, vivendo-a. Então, para si, que nunca teve um ataque de pânico, aqui vai uma tentativa de explicação: imagine que se sente ansioso; mais ainda; mais ainda; à beira do descontrolo; completamente descontrolado - o coração a 1000 à hora, um aperto no peito, parece que o ar não chega, não vai conseguir respirá-lo; o mundo à sua volta adquire um tom de irrealidade e distância, complicado pela sensação de tontura; o estômago embrulha-se; as mãos suadas; as pernas ou a boca dormentes; a garganta apertada; um vazio de raciocínio; a necessidade absoluta de fugir, de fugir de dentro de si, desse corpo que, sem mais nem porquê, decidiu maltratá-lo, ameaça morrer-lhe; o chão foge-lhe; a loucura espreita-o. E, depois do que parece uma eternidade, você volta gradualmente à normalidade, assustado, ainda, mas cansado, tãããooo cansado!

Horrível, não é? No entanto, há pessoas que passam por várias destas crises por semana. Adianta de pouco dizer-lhes que não é nada, que se acalmem, que são só coisas da cabeça delas. Infelizmente, estes são, frequentemente, os comentários bem-intencionados que pessoas com pânico ouvem. E o resultado é sentirem-se incompreendidas e isoladas, reservando para si o sofrimento do seu dia-a-dia.

Ter um ou mais ataques de pânico não chega para se definir uma perturbação do pânico mas, na ausência de uma intervenção precoce, quem sofra de 2 ou 3 destes episódios, acaba por vir a sofrer de perturbação do pânico.
O motivo é simples: a experiência é tão aterradora que, rapidamente, a pessoa começa a preocupar-se, de uma forma persistente, com a possibilidade de ter uma nova crise ou de lhe acontecer algo de terrível na sequência de um ataque de pânico (como morrer, enlouquecer ou perder os sentidos). Quando isto acontece, já estão reunidos os critérios para se definir a situação como sendo uma perturbação do pânico.

Ao pânico, facilmente se associa uma outra perturbação: a agorafobia. O pânico, pelas suas características - crises súbitas, inexplicáveis, surgidas do nada - exige uma explicação racional! Depois de uma crise, qualquer pessoa, conscientemente ou não, começa a procurar razões para se ter sentido tão mal; e, como quem procura sempre encontra... As razões aparentemente mais evidentes prendem-se com a saúde física: é um problema no coração, é o descontrolo da loucura, é uma quebra de açúcar no sangue que o vai fazer desmaiar de repente... E se voltar a acontecer, como é que pode ser socorrido rapidamente ou procurar ajuda? Bem, se estiver numa auto-estrada, de onde não existem escapatórias durante alguns quilómetros, ou numa ponte, será difícil ser salvo a tempo, pensa. O mesmo se passa em locais com muita gente que, ainda por cima, criam uma situação de "inundação sensorial", capaz de fazer reagir o organismo menos sensível. Ou locais fechados, como um cinema, teatro ou sala de espectáculos, em que seja difícil chegar à porta e sair se, a qualquer momento, o corpo voltar a dar sinais de que o vai atraiçoar.

Assim, os locais de onde resulte difícil ou embaraçoso sair, em caso de necessidade, começam a ser evitados, bem como os locais onde já se produziram ataques de pânico, porque ficam associados, de uma forma traumática, aos maus momentos que lá se passaram."

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

pelo sabor do gesto

As "afinidades electivas" têm a sua dinâmica própria. Do novo cd da Zèlia Duncan, Pelo sabor do gesto, recriação do As-tu déjà aimé (pour la beauté du geste) da banda sonora do filme Les Chansons d'Amour.

music for one apartment and six drummers

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

fevereiro



Saúdo o “meu” mês (com as aspas de toda a posse). Meu por tão variados motivos, é sempre uma referência neste ciclo inventado/criado, o que não significa falso ou aleatório. É sempre tempo de mudança, tempo de balanço. Tempo marcante porque, de algum modo, fora do tempo. Foi muitas vezes sob o seu filtro que os meus olhos viram com maior clareza, ou que a minha vida se esboçou em outras formas, recuperando ou iludindo um início. Por vezes foram socos secos no centro da Alma. Estrondos que provocam o vácuo e que só mais tarde, num depois, percebemos ou, pouco importa, julgamos perceber. E (uma) compreensão vem nesse pós-estrondo porque o centro se desloca. Porque nos deslocamos nesse espaço a partir do qual (nos) percepcionamos.
E neste instante da (minha) trajectória, neste ponto preciso de confluências a que chamo eu, a reconstrução emerge como prioridade. Não por decisão. Não por um acto de vontade, esse órgão fraco em mim, mas como uma Evidência.
É tempo de balanço, sinto. O maior balanço, penso eu neste aqui e agora. O que não significa tempo de acção mas, quem sabe, tempo de passividade, de disponibilidade para ser agida.
Fevereiro, se buscarmos a sua origem etimológica, está ligado a morte e purificação. De acordo com Ovídio, está ligado à purificação pela água – a água que limpa, que é memória, ou a transmutação das memórias que são sempre reconstrução. A morte de instantes cristalizados que impedem o fluir das águas (das emoções). Na mitologia etrusca, com importância central no mundo romano, encontramos a deusa Februua, mãe de marte. Vemos assim a força, a acção e mesmo a violência terem a sua origem nessa necessidade de transmutação, de alquimia. E esse Marte, tantas vezes cego e implacável, ligado às forças mais subterrâneas (Hades, Plutão), às forças ancestrais mais primitivas que trazemos em nós, a amígdala reptiliana que persiste na nossa estrutura mental, tem assim um propósito maior.
Fevereiro, mês associada a catástrofes naturais, é o tempo mais curto no ciclo do calendário gregoriano. Um mês misterioso, que traz ao mundo seres que no ano seguinte recusa voltando a aceitá-los quatro anos depois. Foi como se o mundo Ocidental quisesse reduzir o tempo da morte – o maior tabu desta civilização; anular a impermanência. Solar por vocação, o Ocidente fixa a forma. A ponta do icebergue, virando o olhar às forças caóticas que a fizeram eclodir e que a sustentam. E virar os olhos à transitoriedade é virar os olhos ao tempo. A mitologia grega está repleta destas alusões.
A reconstrução virá assim de uma observação atenta ao diálogo entre as forças de Februua e Marte. Numa aparente passividade disponível para o que quer que seja.
Februa dá ainda o nome a uma Borboleta